Archipelago - Além do jogo
Existem jogos que só de vislumbrar a caixa na prateleira já trazem uma ótima sensação, uma alegria de imaginar o que representam e como se desenvolvem. O simples refletir da temática e da mecânica é uma diversão por si só.
Sempre tive essa reação com alguns livros e filmes, os quais, mesmo após lidos ou assistidos, mantenho guardados em local de destaque, para sempre poder relembrar, ainda que de passagem, da fantástica experiência que eles proporcionam.
No mundo dos boardgames o jogo Archipelago me traz essa sensação.
A chegada ao novo mundo, os barcos que se iniciam em alto-mar e aportam em terras ainda desconhecidas, inexploradas. Todos prontos para promoverem a colonização, desenvolver a ilha em busca de riquezas, para si e para a Metrópole.
No jogo, os pequenos barcos fazem seu primeiro movimento já em direção a terra firme, escolhendo-se as áreas (tiles) que irão se encaixar a peça inicial de alto-mar, formando um contorno do que conheceremos no futuro. O arquipélago começa a ganhar forma.
Ao atracar, os colonizadores desembarcam, e se deparam com uma civilização local. Habitantes que observam em silêncio a chegada. Imediatamente o contador de população estrangeira e nativa é ajustado. As ilhas ainda virgens, guardam matérias-primas desejadas pela Metrópole, frutas, animais, peixes, madeira, pedra e metal.
Diferentemente de outros jogos, neste a população local não é passiva, ao contrário, o grande revés parte de sua interação. Os nativos, contabilizados a cada nova área descoberta, podem ser contratados para o trabalho, e, o mais importante, podem ser responsáveis pelo movimento de luta por libertação da ilha.
Talvez seja este um dos grandes atrativos do jogo, a imensa instabilidade presente durante toda a partida. Todos os jogadores, representantes de suas nações exploradoras, pretendem extrair bens e riquezas do Arquipélago, mas não é possível descuidar das pretensões dos nativos, caso contrário a revolta se instala.
No jogo há tanto um controle do mercado interno, a colônia, quanto do mercado externo, a metrópole. A existência de mercadorias em excesso, ou seja, a grande oferta de determinado produto, gera o desemprego, e, portanto, os nativos ficam excedentes. O desemprego, por conseguinte, gera revolta. Já a existência de demanda por determinado produto gera a necessidade de mais trabalhadores, empregando-se os nativos que, com seus trabalhos, aceitam passivamente a colonização.
A ilha e a população local também tem suas demandas próprias, as quais devem ser supridas por todos as nações colonizadoras, do contrário, mais revolta e paralização. Assim, o jogo permite que haja uma parcial cooperação entre os jogadores. Ninguém quer que o Arquipélago se revolte e torne-se independente, aliás, pode existir um separatista entre os jogadores, com intenções misteriosas, cujo objetivo seja justamente a Revolução!
A religião pode aplacar os ânimos, demovendo os revoltosos, afinal, o trabalho edifica o homem. A colonização não pode ser dissociada da disseminação da religião, que também tem um papel importante no jogo, servindo justamente para diminuir a quantidade de nativos com propósitos revolucionários.
A colonização avança e logo construímos cidades, mercados e portos, facilitando a negociação com as ilhas e com a Metrópole. Além disso, com os portos é possível construir mais barcos e explorar o arquipélago, descobrindo novas ilhas e fixando novos colonos.
Para enriquecer a temática, o jogo traz cartas com personagens (Reis, Papas, Piratas, Assassinos...) além de construções e atributos. É possível ser um ditador, exigindo que os trabalhadores executem suas tarefas em dobro, o que obviamente gerará mais revolta. Ou ser um escravagista ou expansionista, pregar a paz e a prosperidade, ou construir grandes Maravilhas, enfim, há vários detalhes que enaltecem o tema.
Tudo acompanhado de perto pelo marcador de revolta. Caso a quantidade da população insatisfeita supere a população satisfeita haverá uma revolução, e todos perdem, salvo, se algum dos jogadores buscar, secretamente, a independência.
Os objetivos, secretos, são outro ponto positivo do jogo. Embora ocultos, todos pontuarão conjuntamente. Desta forma cada um sabe o que na sua carta irá lhe permitir ganhar pontos de prestígio com a Metrópole e com as Ilhas, contudo desconhece o que poderá pontuar nas cartas dos outros jogadores. Assim, o jogador deve prestar atenção as ações dos demais, buscando descobrir em que exatamente eles pretendem se destacar.
Além disso, o fim do jogo também é incerto. Em cada carta individual temos uma condição final de término de partida, desconhecida dos demais. Logo, a duração do jogo é, de certa forma, indeterminada. Para mitigar isso, existem cartas para partidas de curta, média e longa duração. De qualquer forma, acredito que o jogo médio possa parecer longo demais para uma partida com quatro jogadores. Esse seria meu único porém para o jogo.
Archipelago também não é totalmente amigável para uma primeira partida. A quantidade de coisas acontecendo, de ações para executar, de demanda modificada a todo instante, a quantidade de população local, revolta, objetivos secretos, fim de partida indeterminado, exige um primeiro contato para permitir uma segunda partida de qualidade.
O jogo reúne alocações de trabalhadores, negociação, controle de área, leilão, colocação de tiles em um tabuleiro modular, além de aspectos inovadores que fazem deste um boardgame que não passa indiferente em qualquer mesa.
Olhando-o na prateleira, imagino a quantidade de partidas memoráveis que acontecerão, enquanto ele resistir ao desgaste do tempo. Mesmo a caixa fechada, estática, ela possui força suficiente para trazer satisfação apenas por refletir sobre o jogo, suas implicações, mecânicas, temática e pano de fundo histórico.
O jogo me convida a pensar sobre revoluções, exploração do novo mundo, processo de colonização, perda da identidade cultural dos povos nativos, política, economia, controle de demanda, especulação de mercado, além de outros aspectos que estão presentes de uma forma tão sutil, que fazem Archipelago ir muito além do jogo.
Imagens cedidas por Anderson Butilheiro.
Sempre tive essa reação com alguns livros e filmes, os quais, mesmo após lidos ou assistidos, mantenho guardados em local de destaque, para sempre poder relembrar, ainda que de passagem, da fantástica experiência que eles proporcionam.
No mundo dos boardgames o jogo Archipelago me traz essa sensação.
No jogo, os pequenos barcos fazem seu primeiro movimento já em direção a terra firme, escolhendo-se as áreas (tiles) que irão se encaixar a peça inicial de alto-mar, formando um contorno do que conheceremos no futuro. O arquipélago começa a ganhar forma.
Ao atracar, os colonizadores desembarcam, e se deparam com uma civilização local. Habitantes que observam em silêncio a chegada. Imediatamente o contador de população estrangeira e nativa é ajustado. As ilhas ainda virgens, guardam matérias-primas desejadas pela Metrópole, frutas, animais, peixes, madeira, pedra e metal.
Diferentemente de outros jogos, neste a população local não é passiva, ao contrário, o grande revés parte de sua interação. Os nativos, contabilizados a cada nova área descoberta, podem ser contratados para o trabalho, e, o mais importante, podem ser responsáveis pelo movimento de luta por libertação da ilha.
Talvez seja este um dos grandes atrativos do jogo, a imensa instabilidade presente durante toda a partida. Todos os jogadores, representantes de suas nações exploradoras, pretendem extrair bens e riquezas do Arquipélago, mas não é possível descuidar das pretensões dos nativos, caso contrário a revolta se instala.
No jogo há tanto um controle do mercado interno, a colônia, quanto do mercado externo, a metrópole. A existência de mercadorias em excesso, ou seja, a grande oferta de determinado produto, gera o desemprego, e, portanto, os nativos ficam excedentes. O desemprego, por conseguinte, gera revolta. Já a existência de demanda por determinado produto gera a necessidade de mais trabalhadores, empregando-se os nativos que, com seus trabalhos, aceitam passivamente a colonização.
A ilha e a população local também tem suas demandas próprias, as quais devem ser supridas por todos as nações colonizadoras, do contrário, mais revolta e paralização. Assim, o jogo permite que haja uma parcial cooperação entre os jogadores. Ninguém quer que o Arquipélago se revolte e torne-se independente, aliás, pode existir um separatista entre os jogadores, com intenções misteriosas, cujo objetivo seja justamente a Revolução!
A religião pode aplacar os ânimos, demovendo os revoltosos, afinal, o trabalho edifica o homem. A colonização não pode ser dissociada da disseminação da religião, que também tem um papel importante no jogo, servindo justamente para diminuir a quantidade de nativos com propósitos revolucionários.
A colonização avança e logo construímos cidades, mercados e portos, facilitando a negociação com as ilhas e com a Metrópole. Além disso, com os portos é possível construir mais barcos e explorar o arquipélago, descobrindo novas ilhas e fixando novos colonos.
Para enriquecer a temática, o jogo traz cartas com personagens (Reis, Papas, Piratas, Assassinos...) além de construções e atributos. É possível ser um ditador, exigindo que os trabalhadores executem suas tarefas em dobro, o que obviamente gerará mais revolta. Ou ser um escravagista ou expansionista, pregar a paz e a prosperidade, ou construir grandes Maravilhas, enfim, há vários detalhes que enaltecem o tema.
Tudo acompanhado de perto pelo marcador de revolta. Caso a quantidade da população insatisfeita supere a população satisfeita haverá uma revolução, e todos perdem, salvo, se algum dos jogadores buscar, secretamente, a independência.
Os objetivos, secretos, são outro ponto positivo do jogo. Embora ocultos, todos pontuarão conjuntamente. Desta forma cada um sabe o que na sua carta irá lhe permitir ganhar pontos de prestígio com a Metrópole e com as Ilhas, contudo desconhece o que poderá pontuar nas cartas dos outros jogadores. Assim, o jogador deve prestar atenção as ações dos demais, buscando descobrir em que exatamente eles pretendem se destacar.
Além disso, o fim do jogo também é incerto. Em cada carta individual temos uma condição final de término de partida, desconhecida dos demais. Logo, a duração do jogo é, de certa forma, indeterminada. Para mitigar isso, existem cartas para partidas de curta, média e longa duração. De qualquer forma, acredito que o jogo médio possa parecer longo demais para uma partida com quatro jogadores. Esse seria meu único porém para o jogo.
Archipelago também não é totalmente amigável para uma primeira partida. A quantidade de coisas acontecendo, de ações para executar, de demanda modificada a todo instante, a quantidade de população local, revolta, objetivos secretos, fim de partida indeterminado, exige um primeiro contato para permitir uma segunda partida de qualidade.
O jogo reúne alocações de trabalhadores, negociação, controle de área, leilão, colocação de tiles em um tabuleiro modular, além de aspectos inovadores que fazem deste um boardgame que não passa indiferente em qualquer mesa.
Olhando-o na prateleira, imagino a quantidade de partidas memoráveis que acontecerão, enquanto ele resistir ao desgaste do tempo. Mesmo a caixa fechada, estática, ela possui força suficiente para trazer satisfação apenas por refletir sobre o jogo, suas implicações, mecânicas, temática e pano de fundo histórico.
O jogo me convida a pensar sobre revoluções, exploração do novo mundo, processo de colonização, perda da identidade cultural dos povos nativos, política, economia, controle de demanda, especulação de mercado, além de outros aspectos que estão presentes de uma forma tão sutil, que fazem Archipelago ir muito além do jogo.
Imagens cedidas por Anderson Butilheiro.
Cada postagem nova sua é melhor que a outra! Excelente texto! Outro jogo que tenho muita vontade de jogar.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirObrigado Lucas, espero que possamos compartilhar essa experiência um dia.
ExcluirDepois do que li, preciso experimentar esse jogo. Leve-o para o próximo Cajuína Meeple, Enderson, por favor.
ResponderExcluirEspero que em breve possamos jogá-lo Claudio.
ExcluirCara
ResponderExcluirNunca imaginei que esse jogo tivesse todas essas possibilidades, achei que fosse bem mais simples que isso, juro.
Mas também, nunca fui atrás de ver nada sobre ele, até agora, hehehe.
Valeu pelo post, Enderson!!
Obrigado Carlos, vale muito a pena conhecer esse jogo.
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